Tenho visto durante esses últimos dois dias, os pedidos para o ano novo, nessas redes ditas sociais onde tudo é lindo é perfeito como o Natal e o final de ano entre seres queridos hão de ser.
Ou seja, talvez, como de fato é a vida, pois se está na internet, no Google, com certeza, é verdade.
Deve ser por isso então que, ali, todos pedem bençãos para o ano que está entrando, como se fosse chamar o Facebook a testemunhar de suas boas vontades.
“Que venha fartura, saúde, paz, trabalho, amor, prosperidade, riqueza….”
Todos, em suas infinitas grandezas, na efêmera virada do ano, solicitam que o universo seja generoso com os milhares de amigos que têm em suas contas.
Que cada um possa receber, enfim, com a eventual graça de Deus, tudo que falta em suas vidas.
Todos pedem, graciosamente para os outros…
Até, observei, divertido, estes, que dizem em nada crer, pedir também !. (Ainda me falta entender a quem estão pedindo, mas um dia chego lá.)
Vendo todas essas manifestações da vontade de ver a todos serem felizes, me lembrei de uma história que me ocorreu, certamente no mais bonito réveillon que já passei.
Seis anos atras, eu decidi fazer uma viagem de reencontro com as raízes da minha alma espanhola e me planejei para estar no início do ano, para começar um novo ciclo, reconciliado com todas as energias do passado, na mais linda cidade do mundo.
Sabem qual ? Sabem…..quem me conhece sabe….Sevilla.
Eu estava em Málaga, e para que isso aconteça, eu precisava passar o reveillon em Cadiz.
Cadiz, cidade mais antiga do sul da europa, onde séculos atrás, culturas Mouras e Celtas se apaixonaram e onde nasceu, fruto dessa união improvável, a Andaluzia.
Pensei, com minha cabeça e coração já demasiado impregnado dos hábitos tupiniquins, que chegando lá no final da tarde, poderia arrumar um lugar, em um restaurante qualquer, jantar e participar da alegria geral, batendo palmas e sapateando alegremente junto a amantes das artes flamencas….
Pois, para minha surpresa e um pouco de irritação devo confessar, depois de dar uma boa volta pela cidade, por volta das 19 horas, vi todos os restaurantes literalmente baterem suas portas na minha cara.
É cedo demais para festa pensei….
Acabei logo por entender que, lá, a festa não acontece na rua, mas sim em casa, com os amigos e parentes.
Às oito na noite, estava absolutamente tudo fechado e eu morrendo de fome.
Tudo fechado, par falar a verdade não….
Encontrei a salvação na loja de conveniência do posto de gasolina: Sanduíche natural (obviamente de atum) e suco de garrafinha, com os quais me deliciei, na praia, feliz por estar alí, do outro lado do mundo.
Depois de meia hora tentando adivinhar, além do mar mediterrâneo, as montanhas do Marrocos, decidi dirigir-me até o hotel que ficava a alguns quilômetros do centro, numa cidadezinha coincidentemente chamada “El puerto de Santa Maria”.
Após o check-in, aparentemente normal, subi para o quarto, determinado a esperar passar a noite para poder seguir viagem.
Logo mais me senti tomado por uma certa aflição.
Seria assim este reveillon, sem um fogo de artificio, nem uma taça de champanhe para comemorar este momento tão especial e importante para mim ?
Foi então que resolvi descer para consumir um jantar decente.
Fui até a recepção e para minha segunda surpresa da noite, não havia ninguém, nem uma alma, viva, pelo menos.
Depois de certo tempo chamando, apareceu o gerente, certamente irritado pelo barulho da campainha, que me disse que na verdade, devido à baixa frequentação nessa época do ano, todos os empregados estavam de licença, não tinha bar, nem restaurante aberto, pois somente meu apartamento estava ocupado.
Fiquei bem decepcionado, mas conversamos e ele começou a me contar sua historia de vida, cheia de assuntos, pois ele havia sido marinheiro e viajado pelo mundo inteiro e por sorte havia ficado em vários países francofones e por isso falava perfeitamente francês.
A afinidade com o idioma e com as historias de navios fez com que criemos instantaneamente certa empatia e ele se propus a abrir a adega e trazer uma garrafa de vinho local e me disse:
“A cozinha esta fechada, mas sobrou do jantar que eu cozinhei para minha esposa e meu filho, se você aceitar…”
E foi então que com o maior carinho, montou com os restos dos tradicionais ingredientes de lá, a mais elegante e perfeita ceia (que ele obviamente não cobrou) que transformou esse dia que havia se anunciado decepcionante, em um dos reveillons mais felizes da minha vida.
E se ainda me lembro desse dia como se fosse ontem, não é somente pela experiencia do tempero ou do vinho, excelentes por sinal, mas sim porque trouxe a demonstração do mais importante dos ensinamentos.
Por mais que eu fui agraciado pelo sabor do alimento preparado com cuidado, toda essa alegria nasceu da vontade que ele teve de compartilhar.
Ali entendi que, se é bom receber, todas as bençãos do universo somente vêm quando temos no coração a vontade de compartilhá-las.
E se todos nos começarmos experienciar o ato de compartilhar a luz, qualquer que seja a forma como precisamos recebê-la (riqueza, sabedoria, saúde, amor) teremos o que desejo para todos no dia de hoje:
um feliz ano 2018.