Não porque entramos de vez na ilusão do fim da pandemia, mesmo se a perspectiva do fim desse pseudo confinamento vem bem a calhar, mas porquê preparo este momento desde 2018.
2018 me atropelou, passou por cima de mim, como um carro desgovernado sobre um cachorro distraído na beira de uma estrada qualquer, de madrugada, e cujo motorista, bêbado, depois de descer para ver o que houve, chuta a cabeça do vira lata para se vingar do susto e o abandona sangrando no acostamento.
2018 me largou de corpo e alma quebrados, destruídos, em pedaços.
Mas como o disse uma vez o grande cantor francês Daniel Balavoine, este que morreu no deserto do Saara num acidente de helicóptero quando aproveitava a infraestrutura do rali Paris Dakar para construir poços ao longo da rota da competição e assim, dar acesso a água às populações locais:
“Il faut vivre, ou survivre, vivre seul ou même a deux”.
Mesmo assim é preciso viver, ou sobreviver, viver só ou até mesmo a dois.
Me lembro de 2018 como o pior ano da minha vida, é para que eu diga isso, quem me conhece sabe, é porque foi realmente difícil e ao lado, esta fase da pandemia foi fichinha.
Quero as vezes até dizer que de mim não havia sobrado nada, pois se foram as ilusões, a amizade, o trabalho, o dinheiro, a saúde, mas seria mentir.
Porque, por mais que jaza o animal no asfalto em leito de sangue, se ainda respira é que ainda tem vida e se tem vida, ainda tem esperança.
E é na respiração que aqueles que sofrem mas que, mesmo assim, procuram um sentido à vida, reencontram um caminho.
É respirar o primeiro reflexo da criança que aterrissa na terra, tão intenso que a faz chorar…
A meditação, ensinam os budistas adeptos do zen, nos devolve o sentido da vida, permitindo expressa-la na sua forma mais pura: respirar.
É simplesmente sentando, puxando o ar, que permitimos que se expresse a primeira manifestação do Divino no nosso mundo, ou, talvez ,melhor dizendo no mundo d’Ele, pois daqui nada nos pertence.
E é ali que se encontram as premissas da elucidação do sentido da existência, quando tornamos consciente o ato mecânico de respirar.
Se percebermos que, ao permitir que entre em nós o ar que vem de fora, os pulmões quebram suas moléculas e separam o oxigênio para que bilhões de glóbulos vermelhos corram para injetar energia vital em todo corpo, começaremos a entender….
Começaremos a entender que tudo acontece por dentro, dentro do corpo, dentro da mente, dentro do coração, porque é dentro que vive a alma.
Começaremos a entender que é quando nos sentamos à beira do mar para ouvir a música das ondas que se quebram nas rochas, quando paramos para observar a dança aérea das gaivotas, ou apreciamos a carícia da sombra da árvore que alivia a marca do verão em nossa pele, que alimentamos a nossa alma.
Começaremos a perceber que é por dentro que sentimos o gosto refrescante da água, o ardor da pimenta, o perfume evasivo da moça que acabou de passar por aqui, a beleza da penugem de uma arara azul, a sensação de perfeição ao tocar na pelagem de um felino.
Começaremos a entender que se sentimos todas estas emoções, que só se equiparam em intensidade à lembrança do meu beijo no rosto dela, é porque nutriram a nossa alma.
Começaremos a entender que não é ser boa pessoa, não é estudar, não é crescer, não e fazer caridade, não é ganhar dinheiro, não e constituir família, o sentido da vida.
O sentido da vida é um segredo, o mais bem guardado, no melhor esconderijo, em plena vista, escondido daqueles que não tem olhos para olhar, ouvidos para ouvir nem coração para sentir.
O sentido da vida é viver.
E viver é o que desejo a todos para 2022